Lua de Sangue- Quadragésimo Quarto Capítulo

 
   -Sabine!- grito enquanto a balanço, tentando fazer com que ela pare de chorar e gritar -Sabine!
    Tento conter as chamas que se espalham mais e mais, formando uma barreira entre nós e o fogo.
   -Olhe pra mim!- grito segurando seu rosto entre minhas mãos, seu rosto está inexpressivo e lágrimas escorrem, pelo menos ela parou de gritar -pare! faça parar!
    Uma pilastra de madeira carbonizada se parte ao meio e cai, ameaçando fazer com que a casa caia em nossas cabeças, Sabine pula com o barulho e pisca algumas vezes.
   -Eu não quero ter que quebrar o seu pescoço, chérie, então olhe para mim e faça parar!- Sabine finalmente olha para mim com o olhar perdido.     
   -Não consigo- ela sussurra em prantos -não consigo, preciso dele... -ela finca suas unhas em seu braço, fazendo com que eu pule e arregale meus olhos -tem que traze-lo de volta, eu preciso dele, preciso...
    Juro que vou fazer Leon sofrer quando vê-lo novamente.
   -Ele te levou pra cama?!- pergunto enquanto tento afrouxar seu aperto -eu vou matar ele, de novo!
   -Lissa eu preciso dele, traga-o de volta, por favor, eu preciso...- ela murmura chorosa enquanto suas unhas fincam ainda mais em minha pele.
   -Você não precisa dele, entendeu? Eu sei que você sente na sua alma que ele morreu, mas ele está bem, chérie, ele está bem
   -Não, não, não- ela sussurra balançando sua cabeça freneticamente -não o sinto mais, não consigo senti-lo... Lissa eu não o sinto!
   -Chérie, olhe para mim!- tento fazer com que ela olhe para mim, puxando meus braços e faço uma careta quando sinto que suas unhas deixam um corte em minha pele -ele está bem, entendeu? Ele não está morto, ele está bem, então preciso que você pare de colocar fogo na casa.
   -Não consigo, eu não consigo- ela sussurra sem fôlego -traga ele de volta, eu não consigo.
   -Desculpe chérie- digo antes de quebrar seu pescoço, seu corpo amolece e cai em cima de mim, as chamas diminuem devagar, até se tornarem inexistentes, deixando apenas a fuligem e os móveis e paredes queimados.
    Resolvo isso depois, antes tenho que dar uma coça em Leon.
    Ajeito Sabine em sua cama, o único lugar intocado pelo fogo antes de voltar a ficar em pé e fazer com que tudo volte ao normal, sem paredes queimadas.
    Isso quase esgota minha energia, deixando apenas o suficiente para ir até a outra parte da minha cabeça, onde outra parte de minha alma está.
    Não estou mais na casa de Sabine no mundo humano, estou nas florestas de Odile, em uma pequena cabana comum no vilarejo deserto, caminho até a porta e me preparo para dar uma boa surra em Leon.
    Bato a porta quando entro e as janelas tremem pelo impacto.
    Encaro raivosa a silhueta de Leon na janela.
   -Qual é a merda do seu problema?!- grito dando passos em sua direção, mas paro quando o encontro em um estado mais miserável do que Sabine.
    Leon apenas olha para mim de canto e volta a olhar pela janela.
   -O que você tinha na cabeça para levar Sabine para cama?! Sabe o que aconteceu? Ela colocou fogo na casa! Queimou ela todinha, por que você não soube se controlar e teve que fazer sabe-se lá o que com ela e deixá-la em pedaços! Sabe o trabalho que eu tive para fazer com que ela saísse do estado depressivo que ela entrou quando você morreu? Eu levei meses, meses, Leon, meses! Então me de um ótimo motivo para eu não quebrar esse seu rosto bonito!  
   -Vai embora- ele diz, sem olhar para mim 
   -Ir embora! -digo com uma risada debochada -ouviu o que eu disse? Você deixou ela destruída, d-e-s-t-r-u-í-d-a! 
    Leon parece sentir o impacto de minhas palavras e se curva ainda mais, seus olhos se tornam mais sombrios.
   -Me dê um ótimo motivo para eu não te dar um belo soco, ou melhor, me de um excelente motivo para eu não arrancar os seus testículos!- digo quase aos berros.
    Mordo a língua enquanto ando de um lado para o outro, passando as mãos pelos cabelos em um gesto exasperado.
    Leon estragou tudo, Sabine vai levar meses para voltar ao normal, vai atrasar seu treinamento e sinto vontade de esganar Leon por isso.
   -A culpa é sua- ele murmura e eu rio -você nos juntou de novo, foi culpa sua.
    Caminho em passos largos até ele enquanto arregaço as manga de minha jaqueta e dou um belo soco em seu maxilar esquerdo.
    Balanço minhas mão dolorida e Leon se levanta num pulo, empino meu nariz e encaro com fúria seus olhos dourados.
   -Reaja- digo entre dentes -eu entendo que ela se descontrole e fique deprimida, você não, não admito que perca seu controle, eu posso até ser culpada, mas você também é, então reaja e reze para ela retomar o controle, ou então aprenda a se controlar e fique com Sabine, ela precisa de você e eu preciso que você pegue pesado com ela, se fraquejar, já era
    Leon me olha com suas sobrancelhas erguidas, tentando entender o que eu disse.
   -Preciso que me ajude a treina-la, porquê aparentemente você é um dos melhores, apesar de ser um idiota apaixonado e arrogante.
   -Quer que eu treine ela?- ele diz tentando parecer neutro, mas sei que por dentro ele está praticamente dando pulos 
   -Se fraquejar você volta pra cá e vou ser obrigada a mandá-la a uma guerra sem treinamento adequado- dou um passo para trás, a expressão séria -então, o que vai ser monsieur?
    Leon passa por mim e anda até a porta.
   -Foi o que eu pensei- digo com um sorriso debochado, andando até ele -sei como é, não conseguir imaginar ficar um segundo longe da pessoa que você ama, é horrível só de ficar um segundo sem o contato de pele com pele, mas apesar de saber que Sabine com certeza queria aquilo mais do que você, ela não sabia que ela teria que reviver toda a dor da perda quando você fosse embora, ela sofreu muito Leon, ficou por dias com a cara colada no chão segurando sua mão enquanto você estava morto na frente dela, então tente se comportar, por ela.
    Leon me encara sério por alguns segundos enquanto andávamos, antes de assentir com a cabeça.
   -Parece que o romantismo de Sabine é contagioso- ele brinca.
   -Nem me fale- balanço a cabeça enquanto reviro os olhos.
   -Ela é parte de mim- ele diz, voltando a ficar sério -parte da minha alma, a razão da minha existência, literalmente, não quero machuca-la.
   -Eu sei- digo -você não fez por querer, não tinha como você saber que isso seria um gatilho para ela.
    Ele afirma com a cabeça de leve.
   -Não quero andar- digo segurando em seu ombro, me preparando para voltar a parte de minha cabeça que Sabine estava -só vamos pra lá, ok?  
    Em segundos estávamos novamente ao quarto de Sabine, ela ainda está adormecida, para não dizer morta.
    Leon se senta a metros dela, do outro lado do quarto, já regenerado.
   -Tenho que ir- digo 
   -Como se eu fosse notar- ele debocha.
    Então eu apenas me sento no chão e encosto minha cabeça na parede, pronta para acordar
 
                                                                           ⛤⛤⛤
 
    Depois de meses trancafiada nessa cela imunda, meu corpo estava muito mais magro do que antes, posso sentir os ossos da maçã de meu rosto como uma protuberância em minha pele, os ossos do resto de meu corpo ameaçam sair por minha pele fina, assim como a de todos os outros a minha volta.
    Espero pacientemente a visita de Marie, que ocorrem no mesmo horário de sempre, quando o sol começa a se por lá fora e fica frio o suficiente para eu não conseguir sentir mais a ponta de meus dedos.
    Ela abre a porta depois que apaga os sentinelas de Max do lado de fora das celas, espero ver seu sorriso tímido ou então o desconforto de vir falar comigo depois de nossa ultima briga, meses atrás, mas ela não para de apertar as próprias mãos em gesto nervoso e vejo traços de raiva em suas sobrancelhas erguidas.
   -Temos um problema- ela diz séria, alto o suficiente para todos nós ouvirmos -um problema enorme.
    Todos se viram para olha-la na palavra "problema".
   -Prossiga- digo firme
   -Meu irmão esta fazendo alianças com outros reinos depois do ataque de Ameríles na semana passada- Marie sentasse ao meu lado e tento segurar meus impulsos de segurar suas mãos, quer saber, que se dane, ergo minhas mãos doloridas e seguro as dela, que nem se importa -conseguiu fazer alianças com Danae e Khione.
   -Ele o que?!- eu quase berro -Max mantém um membro do conselho de Khione em cativeiro, como ele comprou a aliança deles?
    Me viro para encarar Luna, que tinha o queixo caído e Aaron aperta suas mãos com força, seu rosto uma mistura de fúria e medo.
   -Ele convenceu com que a filha do amante da rainha tivesse um lugar especial ao lado dele- explica Marie
   -Pérola? Ela me vendeu pelo casamento da filha bastarda?- diz Luna indignada
   -Foi- diz Marie ao meu lado -sinto muito.
   -Sou uma filha do palacete real, filha de uma das mais nobres guerreiras de Khione e sou vendida pelo lugar da filha bastarda da rainha no reino de Max- Luna se levanta e passa as mãos pelos cabelos platinados
   -Pérola é filha de um rainha- explico 
   -Pérola é uma bastarda! Não tem nem direito a um lugar ao trono de Khione- Luna explode
   -Mais um motivo para Tylsa querer aceitar o casamento da filha com Max, quando se casarem, ela não será mais uma vergonha para o reino de Tylsa, será uma vergonha para o reino de Max- digo enquanto Aaron tenta acalma-la
   -O que Max vai fazer comigo agora? Não tenho mais qualquer utilidade para ele- Luna pergunta a Marie que engole em seco antes de murmurar a resposta.
    -Você foi considerada um traidora- Luna olha de olhos arregalados para Marie que se encolhe -será levada de volta a Khione e executada por conspiração e traição ao trono.
    Luna parece ter levado um tapa, cambaleia para trás e cai nos braços de Aaron, as lágrimas começando a cair de seus olhos.
   -Executada- repete ela respirando fundo, dando uma risada sombria -por traição e conspiração ao trono. Ao trono de quem afinal?  De Max, ou de Tylsa?
   -Não podem fazer isso- tenta argumentar Aaron -não podem matá-la, é contra todos os princípios dos reinos, ela filha da uma das famílias mais poderosas de Khione, não podem fazer isso com ela, não é? Não podem, eu não vou deixar.
   -Max levará crianças na linha de frente de batalha, matar a filha de uma guerreira não é nada- respiro fundo enquanto tento pensar no que fazer, Sabine com certeza vai explodir se souber que deixei Luna ser morta por Max -não pode tentar argumentar com seu irmão?- pergunto a Marie.
   -Eu tentei de todas as maneiras possíveis- ela diz 
   -Só te levarão daqui por cima do meu cadáver- esbraveja Aaron abraçando Luna
   -Fujam- digo me encostando na parede fria de pedra 
   -Estamos presos- diz Aaron entre dentes -já teríamos feito isso se pudéssemos 
   -Não temos que ficar presos aqui- digo tentando usar parte de energia que consegui armazenar, o anjo morreu a semanas atrás me deixando sem nenhum tipo de bateria reserva, quebro as correntes que feriam meus pulsos e tornozelos com magia e desfaço o sele de aprisionamento falso de Marie
    Aaron me olha chocado e mesmo cansada abro meu melhor sorriso para ele.
   -Antes que você queira me matar- digo levantando meu indicador para calá-lo -posso assegurar que esses meses de tortura e fome foram extremamente importantes e por isso não podíamos fugir, mas agora não temos escolha e vamos ter que matar quem entrar no nossa caminho de fuga, deixe para descontar sua raiva neles.
    Marie me olha com um olhar reprovador, mas me ajuda a desfazer o selo de aprisionamento de todos.
    Ajudo o irmão de Sabine a se levantar, de todos aqui (tirando o anjo morto caído a alguns passos atrás de mim) ele é o que está em pior estado, colocou a morena bonitinha em prioridade, dando o sangue que lhe era trazido para ela.    
    Ela o ajuda a ficar em pé enquanto eu me ajoelho perto do anjo e fecho seus olhos, ela estava rígida e gelada, não vale a pena levá-la conosco.
   -Vai ter um lugar especial em Cymopoleia, prometo- sussurro antes de me levantar.
   -Vão ter guardas por todos os lados, então vão ter que matar- diz Marie para a amiga de Sabine, que confirma com a cabeça, pelo menos ela entende como as coisas funcionam aqui, ou você mata, ou você morre -vou tentar dar cobertura para vocês e nos encontramos bem longe do palácio.
   -Vamos para a Floresta de Idylla- diz Sírinx se alongando um pouco, um arco e flecha dourado em suas mãos -Max e nenhum de seus guardas podem entrar lá, pelo menos não vai sair vivo, as Caçadoras vão nos dar abrigo.
   -Vai com a gente?- pergunto a Marie
   -Não vou ficar com Max- ela responde se preparando para abrir as portas de madeira -então prefiro ficar com você.
    Sorrio para ela que pisca para mim.
    Mesmo com todos os meus ossos e músculos doloridos eu ajudo a apoiar o irmão de Sabine junto com Alice.
    Marie abre as portas e mata os dois soldados do lado de fora com um só movimento de mãos.
    Eu a ajudo com a minha mão livre sempre que algum soldado aparecia.
    Sírinx vai na frente junto com Marie e Aaron vai atrás com Luna, formando uma barreira entre o irmão ferido de Sabine e os guardas que apareciam com ordens para matar.
    A maioria são vampiros, fáceis de matar quando os pegam desprevenidos e a maioria sem poderes, uma flecha de madeira, um coração arrancado do peito ou uma decapitação são o suficiente para tira-los do nosso caminho.
    Mas, uma bruxa não é nem um pouco legal, elas andam sempre alertas e cheias de poder, como uma bomba prestes a explodir, acabando com quem quer que seja.
    Kira acerta o ombro de Sírinx sem que ela nem perceba, a ninfa cai no chão, sem gritar, mas com certeza sente muita dor, sangue jorra do ferimento.
    A bruxa sorri enquanto encara a dor de Sírinx, um erro enorme, nem percebe quando Luna aparece atrás de si e aperta suas têmporas com seus dedos.
   -Você vai até Max- ruge Luna no ouvido da bruxa que está imóvel e com os olhos arregalados -vai usar esse mesmo feitiço que você usou com essa ninfa no rei, não vai para até que algum soldado mate você.
    Algumas lágrimas escorrem do rosto de Kira, nunca vi Luna ser tão agressiva assim, mas pelo jeito funcionou.
    Quando Luna a solta ela cambaleia pelo corredor, chorando, indo até Max cumprir as ordens dadas por Luna que volta correndo para trás de nós, ajudando Sírinx a se levantar, apertando seu ferimento e seguimos para fora do palácio pelos túneis subterrâneos.
    Marie nem precisa ficar para trás, marcha ao nosso lado sempre alerta.
    Chegamos aos portões esquecidos e seguimos para floresta.
    Quase choro de felicidade quando vejo arco e flechas apontados em minha direção assim que passamos a fronteira.
    Sírinx abre um sorriso ao ver suas irmãs, que abaixam as armas e ajudam os feridos, todos nós no caso.
    Alazões nos servem como ajuda para chegarmos até o centro da Floresta, onde podemos finalmente respirar aliviados.
    Está frio e escuro, mas as tochas e a fogueira nos ajudam a esquentar.
    Como feito uma louca e fico surpresa quando Marie se aconchega ao meu lado, abraçando minha cintura enquanto nos deitávamos na grama ao lado da fogueira.
    Acaricio suas bochechas e cabelo até que ela adormeça.
    Não posso imaginar o sacrifício que foi para Marie se separar e trair o irmão, mesmo sabendo que isso era o certo a se fazer.
    Não consigo dormir, então apenas observo os movimentos da floresta junto com outras duas Caçadoras, todos os outros dormem, Luna e Aaron estão abraçados em um canto do acampamento, cabanas improvisadas se estendiam por uma boa parte dele, prontas para serem desmontadas e remontadas caso fosse preciso.
    O irmão de Sabine está dormindo em uma delas, junto com Alice.
    Marie me abraça ainda mais, me causando um sentimento estranho no peito, um sentimento cujo eu não o sentia a milênios, nem quando eu era uma simples mortal.
    Não exatamente que sentimento é essa, só sei que gosto muito de tê-la ao meu lado.
    Meus olhos começam a pesar e me forço para mantê-los abertos, quero olhar para Marie só mais um pouco, eu até consigo, mas não dura muito, adormeço sem que me dê conta.
                                                                                        
                                                                                
           
                   

     
 
     
 
    
               
          
     

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