Lua de Sangue- Trigésimo Quinto Capítulo

A morte é uma coisa engraçada, simples, patética até.
Sentia todo o meu sangue sair pelo buraco em meu peito, sentia os batimentos de meu coração se desacelerarem, até serem inexistentes.
Senti uma vontade enorme de rir ao perceber o quão frágil eu era.
Um simples objeto, enfiado no lugar certo, já era o suficiente para me matar.
A morte, que eu achava ser a coisa mais grandiosa depois da vida, escura, deprimente, na verdade não passava de um grande vazio.
Tudo fica preto e puf! acaba, sem mais nem menos.
O coração, apesar de ser um músculo poderoso, para de bater.
Segundos se passavam enquanto eu estava imersa nesse vazio.
Dez
Onze
Doze...
Vinte.
Até uma leve batida, uma batida estranha, ressoa em meu peito.
Tento ficar o mais parada possível, imaginando que esse som era apenas o fruto de minha imaginação, até que mais uma vez ele ressoa em mim.
Tuc.
Em um intervalo de cinco em cinco segundos.
Tuc.
Tuc.
Tuc.
Poderia me levantar da mesa de pedra e sair andando dali, sem dar satisfação a ninguém, mas o jeito como as coisas pareciam se ampliar me fez ficar parada como uma estátua.
Meu coração batia como uma britadeira. Meus corações na verdade, pareciam que vários batimentos cardíacos saíam de mim.
Batendo, batendo, batendo, batendo, batendo.
Rápido demais, tão rápido que meu peito chega a doer.
-Morda o pulso- diz Lissa, enquanto escuto sangue de uma veia pulsar perto de minha boca, sinto o cheiro inebriante.
Abro meus olhos ao mesmo tempo que minhas presas afiadas fincam no pulso de minha avó.
O sangue desce quente delicioso, como o chá que eu costumava beber antes de dormir, ele passa por minha garganta fazendo cócegas, dando-me uma sensação de prazer.
Sangue escorre pelos cantos de minha boca, manchando ainda mais meu vestido, mas eu mal me importava, aquilo estava delicioso.
Enquanto tomo fôlego, sentido o ar assoviar por minhas narinas e garganta, pude sentir cada veia, cada fibra, cada osso e nervo de meu corpo, como se tivessem recebido uma carga elétrica avassaladora.
Então um sentimento de dor ameaça me derrubar, apesar de ser reconfortante.
Ele está com dor, muita dor.
Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon Leon.
Penso em me levantar, separar a garganta de Max de seu pescoço, mas me lembro do plano.
Aaron esta salvando-o, ele vai salva-lo.
Encaro Lissa nos olhos, desvendando sua alma.
O fogo das tochas dançavam perto de mim, como se me convidassem a toca-la.
Desço da mesa de pedra, ainda encarando Lissa nos olhos e encosto as pontas de meus dedos na chama que dançava, mas ao invés de me queimar, ela gruda em meus dedos, ainda dançando, ouso encostar os outros dedos de minha outra mão, fazendo com que o fogo brincasse nas pontas de meus dedos.
Eu controlo o fogo.
Lissa parecia pasma enquanto observava o fogo em minhas mãos assim como Max.
Me viro, dando as costas para Lissa e dou um passo na direção de meu noivo que estava com seus olhos levemente arregalados.
Fico na ponta de meus pés e encosto meus lábios nos seus e sorrio.
Ele me olha pasmo enquanto eu continuo brincando com o fogo em minhas mãos, me viro e caminho em direção ao meu trono, todos abrem caminho para a nova rainha passar, um sorriso sombrio aparece em meus lábios, antes de me sentar encosto meus dedos na enorme cortina de seda, o fogo a consome, queimando rapidamente o tecido.
O fogo se comunica comigo, então mando que parasse e assim ele faz, sumindo subitamente na frente do olhar de todos no salão.
Cruzo minhas pernas enquanto sento-me ereta em meu trono, ainda sorrindo.
O olhar de Milles cruza com o meu, ele sorri, de um jeito assustadoramente orgulhoso e eu retribuo o sorriso, o fogo em minhas mãos some conforme a minha vontade.
Max caminha em minha direção e sentasse ao meu lado.
-Está linda- diz ele baixinho
Apenas sorrio e volto a encarar todos ao meu redor.
Luna está de volta ao salão e parece preocupada, me assusto ao pensar que pudéssemos ser descobertos, que de nada valeu toda essa minha demonstração de falso afeto por Max, mas então olha diretamente para mim, se comunicando comigo.
Eles saíram.
Suspiro aliviada.
Max levanta-se devagar.
-Agora- ele diz com um sorriso frio -nosso casamento.
Essas palavras me dão calafrios, em mim e em Leon, consigo senti-lo novamente e ele a mim.
Duas criadas vem até mim, com uma coroa de flores, colocando-a no topo de minha cabeça.
Max estende sua mão para mim, eu a pego em um aperto firme, levantando-me.
Caminhamos até o Jardim Central do palácio, andando sobre pétalas de flores até um enorme circulo mágico estava desenhado no chão
Max e eu paramos ao meio do circulo, como havíamos ensaiado dias antes.
Lissa está parada em nossa frente, mas eu mal posso pensar, nem escuto as palavras que saem de sua boca, só conseguia sentir Leon.
Max encosta sua mão na minha e seu corpo se retesa, mas um sorriso se abre em seu rosto.
Ele sabe.
Ele sabia esse tempo todo.
Nem olho para ele enquanto corria por entre todos aqueles seres que rodeavam o Jardim.
Mãos seguram meus braços, mãos que em outra vida me quebrava em pedaços.
Mas agora não sou mais frágil.
O fogo das tochas e candelabros que estavam espalhados pelo jardim dançam em uma única música, a minha música.
Milles se contorce enquanto é queimado vivo, o cheiro de carne queimada queima meu nariz, fazendo com que eu sinta náuseas.
O corpo morto do antigo rei de Sienna cai no chão, enquanto todos me encaravam estupefatos.
-Peguem ela!- grita Max para os guardas.
Arregalo meus olhos quando um soldado tentava se aproximar de mim e a energia azul da mágica de Lissa o impede de se mover.
-Corra!- ela grita segurando o máximo que pode.
No dia em que a lua ficar vermelha
E você se tornar uma vampira
O assassino da ninfa voltará
E você o matará
Para ela voltar a vida
Uma guerra isso desencadeará
O Rei cairá
E a Rainha irá reinar
Para assim a paz voltar
Voltar a vida, voltar a vida, voltar a vida.
Essas três palavras pareciam explodir minha cabeça.
Luna corre ao meu lado, mas ao invés de correr em direção a saída do palácio, corro para o subsolo como um raio.
Abro a porta de madeira com um chute e me deparo com os cabelos loiros de Sírinx batendo em seu rosto.
Viva viva viva viva viva.
-Sabine?- ela sussurra confusa.
-Temos que correr- digo segurando-a, me surpreendo quando consigo pega-la em meus braços sem o mínimo de esforço.
Corro novamente para a saída do palácio, mas algo atinge meu ombro, fazendo com que eu caia rolando no chão, gemendo de dor.
-Achou mesmo que ia fugir de mim?- a voz de Max soa perto de meus ouvidos -achou mesmo que eu não saberia? Achei que fosse mais esperta Princesa.
A dor em meu ombro se espalha por meu braço, a sensação era que minha carne estava em chamas.
-O que é isso?- pergunto num grito
-Veneno de Leon- diz com um sorriso -mortal para um vampiro em quantidades absurdas, mas um paralisante excepcional se administrado em pequenas doses.
Fecho meus olhos com força e quando os abro me deparo com Sírinx sendo levada força por um dos guardas de Max.
-Não vai fugir de mim, vossa alteza- ele sussurra enquanto me pega em seus braços, me jogando por cima de seus ombros -me fez um grande favor em matar Milles sabia?
Não conseguia abrir minha boca, ela também estava em chamas.
-Você pode ter se tornado mais forte e mais poderosa, mas ainda não é invencível Sabine.
Não sei quando exatamente meus olhos pesaram tanto que tive que fecha-los, mas a última coisa que me lembro é das escadas que levavam para o calabouço do palácio.
⛤⛤⛤
Minha garganta queimava, mas não como antes, era uma queimação diferente.
Sede.
Passo minha língua em meus lábios, tentando umedecê-los.
Abro meus olhos devagar, minha visão fica turva por alguns segundos. Estava escuro e frio, mas eu não me importava.
Olho ao meu redor, me sinto fraca novamente, minhas mãos estavam algemadas à correntes, que estavam presas a parede do calabouço, só conseguia dar alguns passos para frente, antes delas se apertarem ainda mais em meus pulsos.
Na mesma cela que eu estavam Leon, Lissa e Luna.
Sírinx e Aaron estavam na cela ao lado, junto de uma garota, um anjo. Ela está péssima, machucada, magra e suja.
-Sabine?- murmura Leon ao meu lado.
-Estou bem- digo e minha garganta dói, tento me livrar da correntes usando minha força, mas elas mal se movem.
-Não adianta- diz Lissa, levantando sua blusa, mostrando um tipo de marca em sua pele. Correntes -é um selo de aprisionamento, ele enfraquece você.
-Que ótimo- digo revirando os olhos
-Esta com sede?- pergunta Leon e afirmo com a cabeça -beba de mim.
Ele estende o braço o máximo que consegue e tento ir até ele, como se estivesse hipnotizada pelo sangue que pulsava em suas veias, mas Lissa agarra uma de minhas correntes.
-Você não tem controle, se beber vai matar ele.
Mordo a língua. Ela tem razão.
Sento-me novamente, encostada na parede.
-Dói- sussurro -mas eu aguento.
Leon se sente impotente, e tento ficar o máximo possível afastada dele, como se eu pudesse rasgar seu pescoço a qualquer momento e beber até a última gota de seu sangue.
Um arrepio passa por minha espinha ao pensar nisso.
-A quanto tempo estou apagada?- pergunto
-A alguns minutos- diz Sírinx da outra cela -Max a prendeu aqui logo depois de você apagar.
-Que droga- murmuro.
Ficamos em silêncio por longos minutos, até que a porta dos corredores do calabouço é aberta.
Abro meus olhos e encaro Anika e Kira, que carregavam uma bandeja com água e comida.
-Sem sangue para você majestade- diz Anika com um sorriso debochado no rosto.
Rosno para ela, era bom rosnar, mas fazia com que minha garganta queimasse ainda mais.
Elas saem logo depois.
Me contorço e me aperto, tentando manter o controle.
-Por que me salvou?- pergunto a Lissa
-Achou mesmo que eu iria ficar do lado de Max?- diz de forma debochada -eu nunca fico do lado perdedor.
-Não é o que parece- digo olhando ao redor, todos nós presos em um lugar sujo e escuro, com fome, sede e fracos
-Ainda não vencemos- diz Lissa -ainda, chérie.
Consigo sorrir um pouco. Ainda.
A porta se abre novamente, mas dessa vez é Max que entra pela porta.
-Como está minha rainha? Com fome?
Rosno para ele, junto com Leon.
-Acho que já está na hora de seu lanche- Max vem até mim e solta minhas algemas, me levantando de forma brusca, Leon rosna ainda mais, chegando até mostrar seus dentes.
Max me carrega em seu ombro e sou incapaz de me debater.
-Tenho um lanche especial para você- diz ele em um tom jocoso -aposto que irá gostar.
⛤⛤⛤
Ele me coloca no chão e eu me encolho, até que sinto cheiro de sangue, fazendo minha garganta pegar fogo.
Max fez questão de tirar todas as tochas do salão, sabendo que eu iria mata-lo assado caso ele fizesse o contrário.
O cheiro de sangue se intensifica, e escuto o batucar de dois corações, se aproximando.
Viro-me rapidamente, meus sentidos se aguçando, me preparando para caçar.
Até ouso sorrir, mas esse sorriso morre assim que vejo Alice e Anthony andando amarrados em minha direção.
Levanto-me num salto e tento correr de volta para as celas escuras, me prender novamente as correntes e morrer de sede, mas Max segura meus braços, impedindo que eu me mova.
-Sente o cheiro?- sussurra ele em meu ouvido e fecho meus olhos com força e tento não respirar -pode sentir o sangue delicioso correndo pelas veias de seu irmão e sua melhor amiga? É delicioso e enlouquecedor ao mesmo tempo, não é?
-Não Max, por favor- tento me soltar,mas ele me aperta ainda mais.
-O que está acontecendo? Por que você está aqui?- as palavras saiam da boca de meu irmão e sinto vontade de chorar
-Eu sabia que não estava louca, eu sabia que era você na boate- Alice choraminga
-Vão embora- digo enquanto lágrimas escorrem por meus olhos -solte eles Max, por favor, não.
-Não está com sede Majestade?- ele sorri enquanto me soltava lentamente -o sangue deles deve ser delicioso
-Corram!- tento gritar, mas minha garganta queimava a cada passo que os guardas empurravam Alice e meu irmão
-Agora mate sua sede Sabine, mate sua sede- Max sussurra ao me soltar.
Não conseguia me controlar, era como se alguém controlasse meu corpo, mas deixasse minha mente assistir todas as atrocidades que eu cometia.
Alice grita ao me ver chegar perto de sua garganta e ao tê-la rasgada por meus dentes.
Choro enquanto sugo cada gota de seu sangue.
Anthony grita comigo, pedindo por tudo que é mais sagrado que soltasse Alice, quando eu enfim a solto, ela já está morta e cai dura no chão.
-Me desculpe- consigo sussurrar.
Novamente meus dentes brancos e afiados perfuram a carne de uma pessoa que eu amava.
Anthony se debate, mas seus socos não eram páreos para minha força esmagadora e minha sede incontrolável.
Logo ele também cai sem vida no chão.
Soluços escapam por meus lábios quando vejo o quão terrível eu sou.
Metei meu irmão e minha melhor amiga.
Assassina assassina assassina assassina assassina assassina.
Era isso o que eu era, uma assassina.
Max ri e eu rosno para ele, mostrando toda a minha raiva.
-Eles vão sobreviver- diz ele ao se ajoelhar ao lado de Alice e cortar seu pulso, logo colocando-o na boca de minha amiga, ele faz o mesmo com Anthony -só não vão mais estar vivos de verdade.
Ele se levanta e dois de seus guardas carregam Alice e Anthony até o calabouço, Max me carrega também, mas dessa vez eu me debato, choro , mordo-o e soco suas costas, mas paro ao ver os rostos sem vida de Alice balançando sobre o ombro de um dos guardas.
⛤
Comentários
Postar um comentário