Lua de Sangue- Trigésimo Nono Capítulo
Tudo parece emitir luz própria e sinto que posso ficar cega a qualquer segundo.
Estou deitada em minha cama, debaixo de minhas cobertas, em meu quarto.
Tudo está igual, mas diferente ao mesmo tempo, não sei o que exatamente está diferente, mas com certeza algo não está no lugar.
"você está na minha cabeça também, então vai ter que suar bastante se quiser sair daqui e ter o controle de novo"
Reviro os olhos e encaro a janela lá fora.
Está começando a escurecer.
Quando fui para para o mundo sobrenatural me senti em uma viagem no tempo, abrindo mão de meu celular, televisão, até a eletricidade era racionada, a pouca que existia era para as luzes do palácio, então é estranho estar de novo em volta de tecnologia.
Estranho as tomadas em meu quarto, meu celular plugado no carregador (mesmo tendo certeza que ele não funcionará), a televisão de frente a minha cama, meus abajures, meu notebook ao lado de minha estante de livros.
Levanto, farta de ficar parada, e sento-me na minha janela bay window, olhando para cidade ao longe, parada, sem uma alma viva sequer, foi nessa janela que minha vida começou a virar uma bagunça.
Onde Alice me convidara para ir até o chalé da praia, onde Max me achou e me levou ao mundo sobrenatural. Ocorridos que levaram a minha própria morte e a de Leon.
Encosto-me com uma almofada cor de rosa em meu colo e nem percebo quando adormeço, quando me dou conta o sol já começava a aparecer, me deixando confusa.
Pisco algumas vezes, enquanto minhas pupilas tentavam se adaptar a luz.
As folhas do salgueiro que ficava na frente de minha janela batem no vidro, produzindo um barulho irritante.
Me levanto e ando pela casa vazia.
Não sinto sede, não sinto fome, não sinto nada.
Deve ser um dos efeitos da vida após a morte.
Caminho até a porta, entediada, e assim que a abro Lissa aparece com um de seus sorrisos tortos no rosto, olho para ela sem vontade.
-Vai treinar- ela diz -agora.
-Não preciso de treinamento, estou morta- digo passando por ela e fechando a porta atrás de mim.
-Vai treinar- ela repete segurando meu braço, me impedindo de seguir em frente -agora. Tem que controlar seus poderes.
Olho para ela com raiva que me lança um olhar flamejante.
-Tá- digo me soltando de seu aperto.
Ela me segue e diz para eu me ajoelhar no chão.
-Me ajoelhar, para que?- arqueio minhas sobrancelhas
-Agora chérie- vocifera.
Reviro os olhos, mas obedeço, encostando meu joelhos no chão e sentando sobre meus pés.
-Feche os olhos- ela diz enquanto eu a olho feio
Obedeço e sinto um tintilhar em meus ouvidos, como um chchchchchchchchchchchchchch.
-Está sentindo?- ela pergunta -sente a pulsação da terra, do vento?
-Não está ventando- digo de olhos fechados -mas posso ouvir a terra.
-Já é um começo- ela diz e eu posso jurar que ela revirou os olhos -agora respire fundo, conecte-se com a terra, sinta o poder ela.
Sua voz foi ficando cada vez mais baixa, sendo abafada pelo chchchchchchchch.
-Sinta seu poder- ela diz, sua voz entre cortada.
Respiro devagar enquanto ouço a terra, coloco a palma de minhas mãos na grama e sinto como se eletricidade passasse por elas, fazendo até meu cabelo se arrepiar.
Passo minhas unhas pela terra, sem se preocupar em suja-las ou não, eu nem que importava com isso.
-Controle-a- diz Lissa ao longe.
Tento me lembrar de como eu havia produzido meus terremotos, mas não consigo, foi algo automático, como respirar.
Foi ativado por um gatilho, como disse Aaron, a dor da perda, a dor da derrota fizerem meus poderes se manifestarem.
Não senti medo quando aconteceu pela primeira vez na prisão, me senti livre, aliviada. Como se meu poder fosse minha libertação, na segunda vez, quando eu ataquei Anika, eu me senti furiosa com a perda de Serena, mas me senti mortal quando a vi agonizar ao sentir a ira de meu terremoto, a ira de meu furacão.
Mas depois, quando passou, eu senti medo, porquê vi como era poderosa e instável e fiquei com medo de machucar aqueles a minha volta.
Com o fogo, eu não sei o que me levou a controla-lo, não exigi muito esforço, o fogo estava em sintonia comigo, ele queimava comigo, eu podia senti-lo em minhas veias, não de um jeito ruim, ele era como um combustível de poder, podendo explodir a qualquer momento.
Eu me sentia confortável com ele, não com medo do que poderia fazer com meus terremotos.
Mas não tenho medo, não mais.
Sinto o chão tremer e arrisco abri meus olhos.
A árvore atrás de mim se balançava, eu podia senti-la.
Tento aumentar a intensidade, levando-me ao limite, para logo depois ultrapassa-lo.
Meus dentes batiam com a intensidade do terremoto, mas algo me impedia de ir além.
"Você está na minha cabeça também, então vai ter que suar bastante se quiser sair daqui e ter o controle de novo"
Tento ultrapassar esse limite que Lissa me impôs, mas sinto minhas forças de esvaírem, ameaçando me derrubar.
Finco mais ainda minhas unhas na terra, tentando fazer com que o terremoto pare, mas nada muda.
Aperto mais meus olhos, sentindo gotículas de suor aparecerem por minha testa.
"Vai ter que suar bastante se quiser ter o controle de novo"
Ela não estava brincando.
Meus braços doem enquanto tento para-lo.
Sinto quando Lissa sai da sacada de minha casa e pisa na grama, vindo até mim, sinto cada passo que da.
Aquilo me irrita e quero gritar para que pare onde está, que não preciso de ajuda, mas não consigo.
Ao invés disso, raízes saem do chão e se prendem em seus tornozelos.
-Mais que merda é essa... - ouço Lissa xingar.
Pare pare pare pare pare pare pare pare, repito mentalmente tentando mandar na terra.
Mas sinto algo atravessar meu ombro, perto de uma artéria.
Abro os olhos e vejo a faca de Lissa cravada em meu ombro, olho para ela que me olha com raiva.
Apago sem sequer notar, junto com o terremoto.
⛤⛤⛤
Acordo em um pulo, abrindo meus olhos rápido demais, logo me arrependendo pela onda enorme de luz que invade meu quarto.
-Você não tem controle- diz Lissa sentada no chão
-Não me diga- massageio meus olhos enquanto me levantava
-Já controlou a água?- ela pergunta
-Não- digo andando até a porta, ela se levanta e me segue
-Vamos treinar combate corpo a corpo- ela diz de repente enquanto descemos as escadas.
-Quando- digo, sem querer saber realmente a resposta.
-Agora chérie, seu treinamento será intensivo, sem descansos longos, vai aprender a ser uma máquina de matar, vai aprender a ser igual a mim.
-Ótimo- digo debochada
-Tem que saber lutar como ninguém, tem que aprender a matar sem se sentir culpada depois.
-Não me sinto culpada depois de matar, não depois que descobri que tenho que fazer isso para sobreviver.
-Você não sente culpa quando mata alguém que odeia- ela diz se alongando, faço o mesmo -nunca matou alguém que amava.
-Está certa- digo mordendo minhas bochechas por dentro da boca.
-Sabe o que fazer, já vi você lutar, você já venceu Marie, já me venceu- ela diz de forma didática -sabe o que fazer para vencer uma luta, mas não sabe o que fazer para vencer uma batalha, uma guerra. Então você vai aprender.
Afirmo com a cabeça.
-Primeiro você tem que saber que não há vitória sem sacrifícios, pessoas que você ama vão morrer, pessoas que você não conhece vão morrer, pessoas que você odeia vão morrer, pessoas inocentes, muitos inocentes vão morrer, crianças, homens, mulheres, todos- engulo em seco -tem que aprender a lidar com isso.
-Pessoas que eu amo já morreram- digo enquanto me abaixo para amarrar minhas botas -mas não sei se posso vencer uma guerra.
-Você não vence uma guerra chérie, você luta para sobreviver à ela, e existem vários incentivos para isso.
-As pessoas que eu amo?- arrisco
-Vingança- ela diz e eu sou obrigada a rir -as pessoas que você ama também, mas principalmente vingança.
-É uma ótima motivação- digo meio séria, meio brincando
-Nenhuma guerra foi vencida pelo amor Sabine, ou foram ganhas em busca de poder ou foram ganhas pela busca de vingança.
-Sei disso- digo me pondo ereta novamente.
Lissa usa sua magia para invocar recipientes de água por todo meu quintal.
-Vai se proteger com isso- ela diz -sem armas, sem terra, sem fogo, sem ar. Só com isso.
Olho para cada recipiente enchido com água até as bordas, engolindo em seco.
-Não vou usar armas também, só meus poderes.
-Que reconfortante- digo dando um sorriso falso e Lissa sorri torto.
-Sem reclamar mon amour, agora se posicione.- ela ordena.
Mordo os lábios e tento não pensar muito, deixar fluir, como diria Luna.
-Hidrocinese não é algo muito complicado, você só precisa saber como se conectar com ela- Lissa diz antes de se preparar para atacar.
Dou alguns passos para trás e mordo a língua, observando o sorriso de Lissa.
Posso sentir a terra chiar em meus pés, mas não posso usá-la ao meu favor.
Uma bola de poder azul vem em minha direção e eu tento desviar, sem sucesso.
Sou jogada para trás e caio de costas no chão, o ar chia por entre meus dentes, Lissa não para só por que eu cai, continua atacando com sua magia, provavelmente deixando hematomas por meu corpo.
Consigo me levantar e desviar algumas vezes, Lissa nem se mexe, apenas me olha sorrindo.
Sinto meu coração pulsar em meus ouvidos.
Tento fazer qualquer coisa, mover os recipientes, fazer gotículas que fossem voar em Lissa, uma chuvinha sequer, mas nada aconteceu.
Mas e se...
Continuo me desviando das bolas de Lissa, dando pulos para a esquerda a cada golpe de Lissa.
Me jogo no chão, assim que chego perto o suficiente da água, encostando meus dedos nela.
Gotículas se prendem a eles, assim como o fogo fez no salão principal do palácio.
Um sorriso aparece em meus lábios consigo fazer com que eles me protejam das rajadas de poder de Lissa, como um escudo.
Corro sem me preocupar até o próximo recipiente, enfiando minhas mãos nele e puxando a água para mim.
Agora é minha vez de atacar.
Movo meus dedos como Lissa faz, fazendo com que a água se ajunte no rosto de Lissa, impedindo que ela respire.
Ela não estava dando o seu máximo, eu sabia disso, mas contar vantagem era uma coisa boa para mim.
Enquanto Lissa tenta se livrar de minha bolha de água que a sufocava, eu corro até os outros recipientes, então eu a solto.
A água vem até mim em gotas minúsculas, se juntado as outras.
A cada golpe de Lissa eu revidava com rajadas de água, antes de formar uma parede de água, impedindo que ela me atinja.
Como eu estava errada.
A luz azulada se seu poder prende meus pés ao chão, me impedindo de me mover e em um pulo, ela estava atrás de mim, com as mãos em meu pescoço.
Eu mesma havia me encurralado, Lissa só aproveitou a oportunidade, eu perdi.
A água cai no chão, formando uma cama de lama bem na minha frente, Lissa me empurra e eu caio no chão, sujando-me toda.
-Venci- ela diz sorridente e eu reviro os olhos, me levantando e limpando meus braços e roupas cheias de lama.
-Claro que venceu- digo carrancuda
-Você era mais esperta quando era humana- ela diz me ajudando com a lama -você pode ter se tornado uma vampira Sabine, mais forte e mais poderosa, mas não se esqueça que ainda pode perder.
-Sei disso- digo tirando minha blusa empapada de lama -só não sei controlar meus poderes direito, mas quando aprender não vou precisar me preocupar com vencer ou perder, porquê eu não vou perder nunca mais.
-Não seja tão arrogante chérie- ela adiverte
-Você é a pessoas mais arrogante que eu conheço Lissa, não pode quere me dar uma lição de moral sobre isso.
-Você não é invensível Sabine, ninguém é.
-Claro- digo entrando em casa.
-Todos podem perder, não importa quem- ela diz e eu reviro os olhos, fechando a porta
⛤
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